terça-feira, 15 de março de 2011

Entre o demônio e o mar azul

"Na visão de Freud, a aflição mis típica da vida civilizada se origina na supressão da liberdade individual, concedida de modo relutante e com um enorme custo psíquico. A tensão entre liberdade e segurança tende a se internalizar e depois a confrontar o indivíduo "por dentro" - na forma da luta entre o superego (aquela ''guarnição em uma cidade conquistada'') e o id ( o depósito de desejos suprimidos), levado a cabo no campo de batalha do ego. A enfermidade característica da pessoa civilizada reside portanto, dentro da psique humana. É lá que é preciso decobri-la, diagnosticá-la, curá-la. Na verdade, a civilização "é amplamente responsável por nossa miséria", e uma pessoa "se torna neurótica porque não pode tolerar a quantidade de frustrações que a sociedade impõe a serviço de suas ideias culturais" E o poder esmagador da sociedade (das restrições impostas em nome da segurança) sobre os indivíduos é tão inquestionável quanto o "princípio do prazer", que impulsiona o indivíduo a embarcar na viagem rumo à felicidade. (...)
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Impotência, inadequação: esses são os nomes da doença da modernidade tardia, da pós-modernidade - o mal estar da pós- modernidade. Não o temor da não-conformidade, mas a impossibilidade de se conformar. Não o  horror da transgressão, mas o terror do infinito Não demandas que transcedem nosso poder de atuar, mas atos esporádicos numa busca vã por um intinerário estável e contínuo.
Tendemos a chamar liberdade a ausência de restrições e limites obstruivos e insidiosos. A maioria de nós, residentes do mundo moderno tardio ou pós-moderno, é, nesse sentido, livre de uma maneira que nossos ancestrais só podiam sonhar. E eles sonhavam; o desaparecimento milagroso de normas e limites era uma visão sedutora quando a vida era vivida com um temor diário da transgressão. (...)
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Nossos ancestrais, não por qualquer falha da parte deles, pensavam a liberdade como um estado em que não nos dizem o que fazer e não somos forçados a fazer o que preferiríamos não fazer; com essa definição eles provavelmente descreveriam a situação em que a maioria de nós está hoje quando a liberdade se encarna. O que não previram, e nem podiam, era que o reino da liberdade que eles imaginaram viria com uma etiqueta de preço, e que este seria alto.
O preço em questão é a insegurança (ou melhor Unsicherheit: um desconforto muito mais complexo, que inclui a incerteza, a falta de proteção e a insegurança); um preço alto, na verdade, ao se considerar o número de escolhas com que uma pessoa deve se confrontar todos os dias. Tais escolhas devem ser feitas sem a convicção de que os movimentos  trarão os resultados antecipados, que os investimentos de hoje terão ganhos amanhã ou que se afastar das opções que parecem ruins hoje não transformarão o amanhã em uma perda dolorosa. Não está claro em quem e no que confiar, já que ninguém parece estar no controle de como as coisas estão indo - ninguém pode dar uma garantia confiável de que elas de fato irão na direção imaginada. Viver sob condições de insegurança é uma vida de risco,e  é a pessoa ativa que está destinada a pagar os custos dos riscos assumidos."

                                                                         [BAUMAN, Zygmunt - A sociedade individualizada]

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